O Simplismo ambiental: uma análise panorâmica do “Simplex Ambiental” (Decreto-Lei nº 11/2023, de 10 de fevereiro)
DOI:
https://doi.org/10.5281/zenodo.10666160Palavras-chave:
Meio ambiente, Simplismo ambiental, Direito ambiental, DireitoResumo
Simplificar constitui um desígnio importante quer para os cidadãos que interagem com a Administração e dela pretendem o reconhecimento/constituição de relações jurídicas, quer para a eficiência da máquina administrativa, quer para a população em geral, que alimenta o (bom) funcionamento da estrutura administrativa com os impostos que paga, quer, enfim, para a realização do “interesse público”. Cumpre ponderar, contudo, os seus impactos, tendo em conta os sectores em que se implementa, as modalidades que reveste, e a equação entre perdas de qualidade ponderativa e os ganhos em eficiência decisória. O domínio do ambiente é claramente um sector em que a simplificação — seja por redução de prazos, seja por supressão de procedimentos, seja por valoração positiva do silêncio — gera custos muito superiores aos ganhos. Deve insistir-se em que a protecção do ambiente constitui uma tarefa de relevância civilizacional superlativa, sobretudo numa era de emergência climática como a que vivemos, que implica agravar, e não aligeirar controlos. Cumpre, também, reiterar o imperativo de ponderação cuidada e fundamentada dos interesses, metaindividuais e metageracionais em presença, distribuindo equitativamente sacrifícios entre gerações. A pressa é, em regra, inimiga da ponderação e aliada da ilegalidade e da incúria do interesse público. Se falamos de protecção do ambiente, a simplificação volve-se rapidamente em simplismo e o facilitismo traduz-se numa onerosa hipoteca do futuro, pela qual esta geração e as vindouras pagarão caro. Evidentemente que a pergunta que fica é a de saber qual é a opção para não prejudicar os particulares empreendedores, que criam emprego e até muitas vezes desenvolvem actividades amigas do ambiente — como a produção de energia a partir de fontes renováveis; a captura de carbono; o desmatamento de eucaliptal para repovoamento florestal com espécies mais resilientes às alterações climáticas —, em face da falta de capacidade de resposta da Administração ambiental, que geraria (não fosse o deferimento tácito) incumprimento do dever de decidir e necessidade de apresentação de acções de condenação à prática de acto devido, com todas as delongas que tal resposta implica (nos termos dos artigos 66.º e segs do CPTA)58. Lamentamos ter de concluir que, enquanto a aposta não for a capacitação, humana e técnica da estrutura administrativa de tomada de decisão ambiental, que permita dar resposta atempada, participada, ponderada e expressa, essa deve ser a via — crúcis, é certo, e não simplex — a prosseguir.
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